NOSSA HISTÓRIA


De 1952 a 1995
O Espaço Terapêutico Mangifera indica L. está localizado em uma área que pertenceu ao casal de agricultores Joaquim e Belmira. Imigrantes portugueses, o casal e sua filha, Maria Madalena, partiram em 1952 da freguesia da Carapinheira do Campo, município de Montemor-o-Velho, distrito de Coimbra, para virem a residir em uma chácara que foi utilizada para o cultivo da terra, plantio de hortaliças e criação de pequenos animais, destinados ao consumo próprio e à venda e distribuição local.
Figura 1: Passaporte do Seu Joaquim quando chegou ao Brasil em 1952, com a menção da sua profissão: lavrador.
Esta chácara foi cultivada com amor, carinho e reverência pela terra e seus frutos, tendo servido para a sobrevivência do casal até o falecimento do Seu Joaquim em 1995. Com área total de cerca de 1.000m2, sendo pouco mais de metade do território ocupado por área de cultivo, a chácara produzia hortaliças, principalmente couve manteiga, mas, também, almeirão, catalonha, chicória e cheiro verde, além de algumas ervas medicinais, tendo no início abrigado criação de porcos, e durante toda existência, criação de galinhas para produção de ovos e de matéria orgânica para o cultivo do solo.
Tendo nascido em 1907, o manejo da terra conduzido pelo Seu Joaquim era próprio de um agricultor nascido no início do século XX: a serrapilheira de folhas e gravetos era recolhida de um bosque de árvores perto da chácara (hoje chamado de Bosque do povo), sendo a mistura de matéria vegetal usada como forragem para o galinheiro. Após uma semana, a forragem semidecomposta e fertilizada com os produtos nitrogenados excretados pelas aves era levada para a horta e incorporada à terra dos canteiros para vitalizar e vivificar o solo. Não se falava em agricultura orgânica nesta época: este manejo era um hábito cultural incorporado à vida do Seu Joaquim: tratava-se, sabiamente, de cuidar e proteger a terra, para que a terra frutificasse. Esta sabedoria ancestral sobre o cuidado da terra é a força fundadora e nutridora do Espaço Terapêutico Mangifera indica L.
Figura 2: Fotos do Seu Joaquim em sua chácara. Na foto à esquerda, ele segura, orgulhosamente, o fruto do seu trabalho: um alto e viçoso pé de couve. Na foto à direita, além da couve, veem-se estratos com outras verduras e vagem.
De 1996 a 2021Com a morte do Seu Joaquim em 1995, a chácara foi paulatinamente perdendo sua funcionalidade agrícola. Não que deixasse de ser cultivada por outros agricultores, incluindo sua filha, Madalena, que viam nela uma possibilidade de ter experiências agrícolas mesmo vivendo no seio de uma cidade grande, mas, a sabedoria e a ancestralidade do modo de cultivar a terra foram se perdendo.
Figura 3: Cultivo da chácara por Madalena, filha do Seu Joaquim.
O desaparecimento dos modos de cuidar e cultivar a terra, que eram próprios ao Seu Joaquim, coincidiu historicamente com a passagem da economia fortemente agrícola do Bairro São José, que rapidamente incorporou os processos de modernização e urbanização da cidade. Com isso, o tempo ritual e sagrado, co-implicados à vida e ao trabalho outrora praticados por ele, foram desaparecendo, emergindo o ritmo apressado e acelerado da vida contemporânea.
É neste sentido que o Espaço Terapêutico Mangífera indica L. visa presentificar a vida, indo na contramão do aceleramento e da destradicionalização, de maneira a introduzir uma pausa em meio a uma paisagem que induz e produz lembranças e memórias de um outro modo de viver, e, sobretudo, de um outro jeito de estar e viver o tempo.
Mas eis que alguém, que não se sabe quem, jogou um caroço de manga na terra, e a terra, acolhendo a semente descartada, cumpriu sua missão fundada na sabedoria ancestral: fez que a semente vingasse esplêndida e vigorosa. A mangueira cresceu, cresceu, chegou aos píncaros do céu. E eis que as vozes citadinas começaram a bradar: “ – Corta, derruba: a mangueira pode desabar e destruir as casas ao redor!”. Por que as árvores de copa alta são vistas tão-somente como risco e empecilho aos empreendimentos da cidade? O simplismo, o utilitarismo e o imediatismo do ser humano acostumado aos modos da cidade!
Mas um dia um jardineiro que cuidava do entorno disse: “ – Olha aquela mangueira, ela esfria o ar, aqui tá fresco, o ar penetra na copa úmida e sai refrigerado”. E uma mulher, mãe de santo que vive no bairro, usando de sua sensibilidade mística, declarou, olhando para ela: “ –Essa árvore irradia sua força por todo o bairro, essa árvore protege todos nós!”. Estes dois depoimentos chamam a atenção para o fato de que a mangueira é a maior árvore frutífera do mundo, capaz de alcançar uma altura de 30 metros e uma circunferência média de 3,7 metros, às vezes chegando a 6 metros. Símbolo do acolhimento, da fecundidade e da abundância, a Mangifera indica L. é o cerne dos valores que estão incorporados nas práticas terapêuticas que acontecem no espaço, visando não apenas os seres humanos, mas, também, todos os seres vivos que encontram abrigo, alimento e condições de reprodução neste local, propiciado pela sombra, força e vitalidade desta árvore sagrada.
Então, foi que se percebeu que a mangueira não só merecia sobreviver, ela era a majestade e a entidade sagrada do entorno!
Isso coincidiu, a partir de 2020, com o início de um intenso trabalho de cuidado com a terra. Parte da chácara, pelas mãos de um dos netos do Seu Joaquim, havia sido restituída ao seu místico destino de servir como modelo exemplar da tradição implantada por ele de cuidar da terra, no sentido de vitalizá-la, vivificá-la, alimentá-la. Neste sentido, o manejo aprendido ludicamente com o convívio do Seu Joaquim foi trazido à luz através do que hoje se chama de agroecologia, com contribuições da ideia de solo vivo de Ana Primavesi, da agricultura sintrópica de Ernst Götsch e da agricultura biodinâmica de Rudolf Steiner. Tratava-se de devolver à terra a mesma atenção e cuidado professados e ensinados pelo mestre agricultor, de amá-la e reverenciá-la, em respeito a todos os seres visíveis e invisíveis que ela engendra e torna possível. Parte destes cuidados são hoje efetivados pelo manejo biodinâmico, com aplicação periódica dos preparados chifre-esterco (BD 500) e chifre-sílica (BD501), que visam restabelecer a vitalidade do solo e o desenvolvimento saudável das plantas, contribuindo com um retorno aos valores ancestrais, ligados à sabedoria terreno-cósmica do agricultor.
Figura 4: Cultivo da chácara por Alexander, neto do Seu Joaquim. Com os princípios da Agricultura Biodinâmica.
2022: Nascimento do Espaço Terapêutico Mangifera indica L.
Em homenagem à majestade da mangueira nasceu o Espaço Terapêutico Mangífera indica L., com o propósito de lembrar aos povos da cidade, através da exuberância e da abundância desta árvore e do que ela é capaz de abrigar e criar em seu entorno, a sacralidade da Mãe-terra, que carrega consigo as mais antigas tradições de um fazer agrícola que tem como valores o amor, o cuidado, a cooperação, a sabedoria e a reverência a todas as espécies que habitam a paisagem, incluindo aquelas existências mínimas, ameaçadas de desaparecimento pelo ambiente imposto pela estética da cidade, de modo a reintroduzir uma ética cósmica e planetária, baseada em coexistências dependentes e co-implicadas.










Figura 5: Esplendor da árvore de manga (Mangifera indica L.), que da nome ao Espaço Terapêutico.